Margarida Tengarrinha (1928-2023). "Nunca mais pude ver luzinhas de Natal e coisas assim..."
Aos 95 anos, morreu esta quinta-feira a professora e artista plástica Margarida Tengarrinha. Militante do PCP desde 1952, acreditou até ao fim da vida que "enquanto houver exploradores e explorados tem de haver revolução".
Foi no Natal de 1961. Margarida, então com a identidade falsa de Teresa, 33 anos de vida e nove de militância no PCP, vivia na clandestinidade em Lisboa com o seu companheiro, José Dias Coelho, então "Fausto", 38 anos e membro do partido desde 1949.
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Eram ambos artistas plásticos, tinham-se conhecido em Belas Artes e sido expulsos por atividades anti regime. Unia-os um amor arrebatador e em 1961 já tinham duas filhas pequenas. Tinham passado à clandestinidade em 1955, quando o partido, potenciando-lhes os talentos como artistas plásticos, os incumbiu de montarem uma oficina de falsificação de documentos (passaportes, bilhetes de identidade, cartões de identificação sindical, licenças de bicicleta, etc.).
Dias antes do Natal de 1961, José saiu de casa e não havia maneira de voltar. Margarida começou a pensar que tinha sido preso. No dia 26, ao cair da noite, encontrou-se com um camarada e este disse-lhe, de chofre, que José não estava preso - tinha sido assassinado pela PIDE, com dois tiros à queima-roupa, no dia 19, na então rua da Creche, em Alcântara, hoje rua José Dias Coelho. Margarida ainda pediu para ir ao funeral - mas já tinha sido. Muitos anos mais tarde contou como reagiu. Desatou, desesperada, a vaguear pelas ruas do bairro do Restelo: "Estava cheio de luzes penduradas nas árvores e tudo a brilhar com natais. Foi uma coisa horrível, nunca mais pude ver luzinhas de Natal e coisas assim." José Afonso compôs "A morte saiu à rua" evocando este assassinato.
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Filha da burguesia de Portimão (o pai dirigia a delegação local do Banco de Portugal), nascida em 1928, várias vezes contou que quando passou à clandestinidade não sabia nem cozinhar nem lavar a roupa ("em casa dos meus pais tínhamos duas criadas"). E foram homens do partido que a ensinaram. Tanto ódio ganhou a lavar lençóis que na primeira máquina que teve, só após o 25 de Abril, ficou o tempo todo a vê-la trabalhar: "Que satisfação tão grande, nem imaginam!" Sobre o machismo dos comunistas, dividia-os em dois grupos: "Os homens do partido, em várias zonas do país e mesmo na capital, eram influenciados pelo ambiente geral de pouca atenção aos problemas específicos das mulheres. Mas na direção central e no quadro geral de funcionários isso não existia."
Após a morte de Dias Coelho, rumou ao exílio. Trabalhou diretamente com Cunhal em Moscovo e na "Rádio Portugal Livre", em Bucareste. Regressou a Portugal em 1968. Estava em Matosinhos quando foi o 25 de Abril. O seu companheiro de então, Carlos Costa (1928-2021), dirigia a organização do PCP no Norte. De 1974 a 1988 integrou o Comité Central. Foi deputada na III e IV legislaturas.
Devotou a sua vida a nunca deixar morrer a memória do combate à ditadura. Em 2018, publicou "Memórias de uma Falsificadora - A Luta na Clandestinidade pela Liberdade em Portugal" (edições Colibri). Morreu esta quinta-feira, com 95 anos, em Portimão. Ainda há pouco tempo garantia, numa sessão com jovens: "Enquanto houver exploradores e explorados tem de haver revolução." O PCP informou que o corpo de Margarida Tengarrinha estará em câmara ardente na casa mortuária da Igreja do Colégio, em Portimão, na terça-feira, dia 31 de outubro, a partir das 9h30, saindo às 12h30 para o crematório de Albufeira. A cremação realizar-se-á às 14h00.
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