PENSO QUE O MEU AVÔ, JOAQUIM DOS REIS CAÇOTE, QUER EM PORTUGAL, ONDE NASCEU, QUER NO BRASIL, ONDE DEVE TER FALECIDO. NUNCA TERÁ OUVIDO O VOCÁBULO "DESOPILAR", E SE OUVIU, O SIGNIFICADO NÃO DEVIA SER O QUE EU PRETENDO ATRIBUIR-LHE! MAS A EXPLICAÇÃO NÃO LEVARIA A PARTE ALGUMA QUEVALESSE A PENA!
VAMOS ALTERAR UM POUCO A ORDEM PREVISTA, PARA VER COMO FICA, INTRODUZINDO UM EXCERTO DO TEXTO QUE TEM A VER COM O FINAL DA GUERRA, QUE NÃO FIZ!
.
..." De todos os elementos do Pelotão só o Comandante e eu
tivemos que usar camuflado: ele, por ter comandado interinamente, durante vários
meses, o GACL - Grupo de Artilharia Campanha de Luanda e não ficaria muito bem
na fotografia, aparecer um caqui em frente de uma Unidade em parada toda ela
camuflada, ou seja, de camuflado vestida;
e eu por que, a partir de certa altura, passei a fazer parte da escala de
serviço da Unidade, embora a ela não pertencesse, e do mesmo modo aparecer no
meu lugar em parada, para render no serviço, um caqui no meio dos cento e tal
camuflados.
O major e eu eramos os únicos da arma de Artilharia, todos
os outros, dos oficiais aos praças, eram dos Serviços -
amanuenses e motoristas. O capitão Calixto nunca cheguei a saber se era ou não de
Artilharia e mal chegou foi destacado para o Quartel-General, não se colocando
a questão do camuflado como a nós. Os amanuenses e motoristas não faziam
serviço de dia à Unidade.
O comandante deve ter comprado o seu camuflado e eu
"herdei" o meu de um dos quinze mortos em combate, do Esquadrão de
Cavalaria número cento e vinte e um, cujo espólio veio parar à arrecadação de
material sem constar do respetivo espólio. Ou seja, era um camuflado
clandestino desde que perdeu o seu utilizador.
O meu caríssimo amigo, camarada e colega de pensão do
primeiro ao último dia, furriel Magalhães, mal ouviu falar da compra do
camuflado, disse que tinha na arrecadação, que era de sua responsabilidade e do
tenente Neta, tal como a Tesouraria, e sua origem, vais experimentar e se
servir não compras. E como vais justificar...não falta nada na arrecadação e
para bem ser o camuflado não devia estar lá! Funciona como a contabilidade, o
balancete só está equilibrado se o deve for igual ao haver.
Todo este parágrafo foi atamancado, porque tendo o
Magalhães um defeito na fala, ou seja, era gago, o diálogo teria de ser
apresentado como tal e me pareceu que não valia a pena.
O camuflado era do modelo usado pelas tropas especiais, já
com as cores esbatidas devido às lavagens e aos vários meses de uso e de Sol.
Sempre que eu estava de serviço e usava o camuflado, havia sempre vários
militares, sobretudo os do QP - Quadro Permanente, a quererem saber onde eu
tinha arranjado o fato.
Ia dizendo que me tinha sido oferecido pelos pais de um soldado
falecido em combate, o que até era verdadeira a última parte, tendo mesmo dois
pequenos buracos junto à cava da manga esquerda: assim ficaram, nunca os deixei
coser. Era para mim uma forma de prestar homenagem ao dono, jovem a quem a
guerra levou a vida.
Quando souberam que nós íamos regressar a Portugal, logo
apareceram vários sargentos a candidatar-se ao camuflado; o assédio era tal que
acabei por o vender por trezentos angolares, preço por ele fixado, a um dos
sargentos das noitadas de poker e a quem tinha dado uma ajuda na física e
matemática uns tempos antes de irem a exame; a ele e outro segundo sargento,
ambos do Quadro.
Estava convencido, quando o vendi, que já não voltaria a
entrar de serviço, faltava menos de uma semana para a data marcada do regresso,
a dois de Outubro; enganei-me, fui nomeado para sargento de piquete no dia trinta
de Setembro.
Lá tive de recorrer ao amigo Magalhães para me emprestar um
camuflado para ir fazer o último piquete. O fato que me emprestou era novinho,
acabado de tirar da prateleira e mal passado - o pronto a vestir não tinha
cruzetas - e assim me apresentei ao render da parada.
Por azar nosso, um dos soldados do piquete chegou
ligeiramente atrasado à formatura; chamei-lhe a atenção e recomendei que
estivesse a tempo nas próximas formaturas; formou, olhou para mim de alto a
baixo ou de baixo a alto e com um sorriso de gozo ainda disse:
-" Isso passa, meu furriel!"Acabou de chegar do
"Puto" e eu já cá ando há seis meses!"
Perdeste uma boa ocasião de estares calado, respondi. As
rugas do camuflado são devidas a ter dormido com ele vestido, é emprestado e
regresso ao "Puto" depois de amanhã, e para trás ficam vinte e sete
meses.
Ficou com ar espantado, mas nas formaturas seguintes foi
sempre o primeiro a chegar e não se esqueceu de me desejar boa viagem e
felicidades. ..."
Reis Caçote
61/63-Luanda
ESTE ME LEVOU, ESTE ME TROUXE- O PAQUETE VERA CRUZ
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